A casa do cinema em Brasília completa 62 anos de existência nesta sexta-feira (22). São mais de seis décadas de tradição audiovisual e uma ligação com a cidade que transcende os milhares de filmes exibidos em sua grandiosa telona. Para festejar o aniversário do Cine Brasília, uma programação especial foi elaborada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec).
A seleção promete empolgar amantes do espaço de lazer projetado por Oscar Niemeyer. É o caso da exibição do clássico A Canoa Furou, filme de 1959 estrelado pelo comediante Jerry Lewis e a cuja estreia o presidente Juscelino Kubistchek chegou atrasado.
“A capital é uma cidade-monumento totalmente vinculada à arte, e o Cine Brasília, um monumento que transcende o fato de ser cinema por fazer parte da essência do plano original imaginado por Lucio Costa”
Sérgio Moriconi, cineasta
“É um fato incrivelmente relevante você imaginar um presidente inaugurar um cinema; provavelmente não tem nenhum precedente na história”, comenta o jornalista, pesquisador e cineasta Sérgio Moriconi. “O Cine Brasília e Brasília são duas coisas muito singulares. A capital é uma cidade-monumento totalmente vinculada à arte, e o Cine Brasília, um monumento que transcende o fato de ser cinema por fazer parte da essência do plano original imaginado por Lucio Costa.”
Além da comédia norte-americana dos anos 1950, os outros títulos escolhidos para compor a maratona de filmes têm algum tipo de relação afetiva ou episódio marcante com o espaço que é um dos raros cinemas de rua do país. É o que conta a jornalista e atriz Carmem Moretzsohn, que divide a curadoria da mostra com a jornalista Gioconda Caputo.
“Louco por Cinema foi o primeiro filme produzido em Brasília a ganhar o prêmio principal do festival, marcando a retomada do cinema nacional após a crise dos anos 90”
Carmem Moretzsohn, curadora da mostra
“É claro que para fazer uma mostra em homenagem ao Cine Brasília a gente poderia ter vários recortes, mas resolvemos olhar pelo lado histórico”, explica ela. “Escolhemos filmes que foram de alguma maneira relevantes na história do Cine Brasília ou momentos marcantes que vivemos lá com esses filmes.”
Filmes consagrados
Essa orientação, por si só, justifica a escolha do drama Bicho de Sete Cabeças (2000), estreia na ficção de Laís Bodanzky e grande vencedor daquela edição em que o ator Rodrigo Santoro, dividiu, literalmente, a plateia. Antes da exibição do filme, ao ser chamado ao palco com a equipe do longa, o artista foi massacrado por trepidante vaia do público, incomodado por sua condição de galã em novelas. A situação mudaria após a sessão e no dia da premiação, quando ele foi aplaudido ao receber o prêmio de melhor ator.
“Aquela sessão foi marcante pela mudança de percepção do público diante da qualidade de intérprete do Rodrigo Santoro, que conquistou inclusive o júri”, lembra Carmem Moretzsohn. “Ali o ator mostrou que o objetivo dele não era ser galã de novela, mas que tinha talento para ser muito mais, que queria outra coisa para a carreira dele.”
“Foi muito emocionante ver um filme meu exibido pela primeira vez ali; a sala estava lotada”
Alex Vidigal, diretor cinematográfico
Completam a programação Tainá – A Origem (2013), filme de Rosane Svartman que abre a mostra às 10h, trazendo temas como a questão indígena, o meio ambiente e a sustentabilidade; Barra 68 – Sem Perder a Ternura (2001), obra histórica sobre a criação da Universidade de Brasília (UnB) dirigida pelo mestre Vladimir Carvalho; Louco por Cinema (1996), de André Luiz Oliveira, e Tudo Bem (1978), que homenageia o cineasta carioca Arnaldo Jabor, falecido em fevereiro deste ano. Os três últimos foram consagrados no Festival de Brasília com o prêmio máximo.
“A consagração de Louco por Cinema é emblemática por vários motivos”, lembra Carmem. “Foi o primeiro filme produzido em Brasília a ganhar o prêmio principal do festival, marcando a retomada do cinema nacional após a crise dos anos 1990. Nunca houve uma produção local com tantos atores e equipe da cidade, e a gente quis valorizar isso.”
Templo do Festival de Brasília
Patrimônio imaterial da cidade desde 1965, o Cine Brasília é o palco do mais importante evento cinematográfico do país, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Nada representa mais a cara do espaço do que esse evento, conceitualmente idealizado no seio da Universidade de Brasília (UnB) pelo historiador e crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, junto aos intelectuais e alunos do curso de cinema. Nascia, assim, uma tradição que perdura até hoje, a de privilegiar filmes fora do circuito comercial.
“A sensação que tenho de ir ao Cine Brasília é isso, um lugar a que vou para comungar as imagens e os sons pelos quais sou apaixonado.”
Alex Vidigal, cineasta
“O Cine Brasília é fundamentalmente um cinema público que privilegia e prima por exibir filmes de arte, de culturas diferentes da nossa, filmes produzidos por produtores e diretores independentes”, observa o atual diretor do espaço, Douro Moura. O cinema também é, nesse sentido, espaço de formação de público que se renova a cada ano ou a cada sessão há várias gerações.
Um desses filhos do Cine Brasília é o cineasta e professor universitário Alex Vidigal, 45 anos, que vê o lugar como sagrado. A primeira vez que foi lá, recorda, era para jogar bete com amigos atrás do prédio, que tem uma ampla área livre asfaltada.
Depois, quando tinha 10 anos, foi ao Cine Brasília para assistir a um filme turco, motivado pelo cartaz, que trazia um personagem curioso, de bastos bigodes. Aos 14 anos, lá foi ele novamente para assistir ao marcante drama A Casa dos Espíritos, baseado no best-seller homônimo da escritora chilena Isabel Allende.
“Crescendo numa família religiosa e vendo esse filme sobre espíritos, fiquei pensando que o ato de ir ao cinema, em especial o Cine Brasília, que é a casa do Festival de Cinema de Brasília, é viver um momento litúrgico”, resume Alex. “A sensação que tenho de ir ao Cine Brasília é isso, um lugar a que vou para comungar as imagens e os sons pelos quais sou apaixonado.”
Ativo no meio cinematográfico da cidade, com participação em várias etapas na realização de filmes de outros colegas, Alex Vidigal assina dois projetos como diretor: os curtas De Bom Tamanho (2014) e Riscados pela Memória (2018), este último exibido no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2018.
“Foi muito emocionante ver um filme meu exibido pela primeira vez ali; a sala estava lotada, era uma sessão com vários filmes”, lembra. “Então, tinha aquelas palmas protocolares; e, quando Riscados terminou, a galera ficou gritando os créditos todos.”
Cinema de Brasília
Maratona de filmes no Cine Brasília
Dia 22/04, a partir das 10h
Programação:
10h – Tainá – A Origem, Brasil, 2013, 80 min, Livre. Direção: Rosane Svartman. Com: Wiranu Tembe, Beatriz Noskoski, Igor Ozzy, Gracindo Júnior e Nuno Leal Maia.
12h – A Canoa Furou (Don’t give up the ship), EUA, 1959, 89 min, Livre. Direção: Norman Taurog. Com: Jerry Lewis, Dina Merrill, Mickey Shaughnessy.
14h – Louco por Cinema, Brasil, 1996, 100 min, 12 anos. Direção: André Luiz Oliveira. Com: Nuno Leal Maia, Denise Bandeira, Jesus Pingo, Emerval Crespi, Dimer Monteiro e Bidô Galvão.
16h – Barra 68 – Sem Perder a Ternura, Brasil, 2001, 82 min, Livre. Direção: Vladimir Carvalho. Narração: Othon Bastos
18h – Bicho de Sete Cabeças, Brasil, 2000, 90 min, 14 anos. Direção: Laís Bodanzky. Com: Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Gero Camilo e Caco Ciocler.
20h – Tudo Bem, Brasil, 1978, 120 min, 14 ano. Direção: Arnaldo Jabor. Com: Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo, Maria Sílvia, Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães.