Inflamada pela pandemia de Covid-19 e a crise econômica mundial, a pobreza atinge em cheio o Distrito Federal. Em janeiro de 2021, 170.871 famílias de baixa renda sobreviviam na capital do Brasil, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Em abril de 2022, o número saltou para 222.430. Ou seja, 51.559 núcleos familiares caíram na miséria na pandemia.
Os números fazem parte do Cadastro Único. A ferramenta faz o mapeamento dos núcleos familiares em situação de vulnerabilidade com renda mensal até meio salário mínimo por pessoa (per capita).
Por 9 meses, a família da autônoma Gisele de Souza da Trindade (foto em destaque), de 25 anos, viveu pelas ruas do DF devido à pandemia. “Meu esposo ficou desempregado na pandemia. Perdeu o emprego fichado por conta da pandemia . Não conseguimos mais pagar as contas, o aluguel, água e luz”, contou. Sem um teto, o casal batalhou para cuidar dos 5 filhos.
“Foram dias terríveis. Muito complicado, muita humilhação. As pessoas acham que você está ali porque quer. Mas na verdade, estávamos porque não tínhamos condições de ir para outro lugar”, pontuou. Mesmo vivendo nas ruas, as crianças continuavam a frequentar a escola pública.
Vendendo panos de pratos e amendoins caramelizados, o casal começou a juntar dinheiro para voltar a ter um teto e conseguiu um barraco no bairro Santa Luzia, na Estrutural. “Resolveram vender esse pedaço para gente, a prestações. Estou feliz. Mesmo sendo uma invasão, é o nosso cantinho. É onde a gente tem dignidade”, sorriu.
Erguido com pedaços de madeira, tapumes e panos, o barraco não tem piso e nem porta no banheiro. A família conseguiu espaço para abrigar o primo de Gisele por uma temporada. A renda mensal do lar é de aproximadamente R$ 600, contanto com o Auxílio Brasil, oferecido pelo governo federal.
Sem Prato Cheio
Em um DF em que é preciso trabalhar 134 horas para comprar uma cesta básica, a família Trindade depende de doações para conseguir se alimentar. Gisele tentou, mas não conseguiu a ajuda do programa Prato Cheio, do Governo do Distrito Federal (GDF). “Eu estou esperando a ligação já tem seis meses. É bem frustrante. Falam que um questão de emergência para quem mais necessita, mas não chega”, afirmou.
A dona de casa Maria Joelma da Silva, de 45 anos, também não consegue ser inscrita no Prato Cheio. “Cortaram o nosso benefício. Com o dinheiro, eu comprava carne para a mistura do mês. Só deve voltar a partir de setembro ou outubro”, comentou. Dona Joelma vive no Santa Luzia com uma família de 10 pessoas.
Solidariedade
Para sobreviver na pandemia, dependem do auxílio do governo federal, reciclagem e doações. “Recebemos ajuda de um rapaz. Ela traz verduras, frutas e alimentos de um mercado. Quando ele chega, dividimos com outras famílias”, contou. A última doação abasteceu a despensa de 21 lares carentes, incluindo o de Joelma.
Assim como Gisele, as pessoas na casa de Joelma não estão conseguindo oportunidade no mercado de trabalho pós pandemia. A dona de casa sofre de depressão e ansiedade e por isso não consegue mais trabalhar. Por conta da pandemia, perdeu um emprego de três anos em uma casa de família, no Noroeste. As três filhas, já com idade para trabalhar, não conseguem emprego. “Não tem vaga”, lamentou.
Creche
E quando uma família carente do Santa Luzia consegue um emprego enfrenta outro desafio: com quem deixar as crianças. Por isso, Maria da Conceição Ferreira, conhecida como tia Tatá, de 49 anos, montou uma creche comunitária. O serviço social é gratuito e voluntário e depende de doações para cuidar dos pequenos.
“Esse ano está sendo muito difícil. Nessa pandemia, a dificuldade está para todo mundo, para o rico e para o pobre. Os doadores sumiram”, ressaltou. Mesmo com a dificuldade, ela oferece carinho, refeições, educação e aulas de reforço para 81 crianças. O projeto também ajuda a comunidade, redistribuindo cestas básicas.
Paredes caindo
Os banheiros da creche precisam de reforma. “A parede está caindo. Nós estamos jogando água no vaso para dar descarga”, explicou. Tia Tata também deseja oferecer uma remuneração fixa para as colaboradoras. Atualmente, dependem da renda de um bazar solidário. Outro sonho é contratar mais uma professora para o reforço.
“O estudo fará com que essas crianças cresçam e sejam pessoas de verdade”, concluiu. Segundo Tatá, a comunidade precisa de serviços públicos. As ruas estão ocupadas por lixões, com chorume correndo a céu aberto, oferecendo condições para a proliferação do mosquito da dengue, bem como outros animais e doenças.
Quem quiser apoiar a creche comunitária pode entrar em contato com tia Tatá pelo telefone (61) 99648-3772. O número também é o Pix do projeto.
Pandemia
Segundo a assistente social da Sedes Kariny Alves, os impactos da pandemia foram determinantes para o aumento do número de famílias inscritas no Cadastro Único. O GDF ampliou as parcelas do Prato Cheio de 6 para 9 meses.
Além disso, criou dois novos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para ampliar a cobertura de atendimento para a população devido à pandemia.
De acordo com a Sedes, a Secretaria do Trabalho ajuda a população na busca pelo emprego com projetos como o Renova-DF.
O GDF também oferece outros programas sociais a exemplo do programa DF Social, que beneficia 55.389 famílias e o Cartão Gás, que contempla 69.998 lares.
Fonte: Francisco Dutra, Metrópoles