Sirene, estrondos, bombardeios. Mesmo após deixar a região do conflito, alguns sobreviventes seguem ouvindo os barulhos da guerra. Sonham com as ruas em ruínas. Ficam com medo de deixar suas casas, ainda que já estejam em local seguro. “A nossa esperança é chegar aqui (no Brasil), olhar pro céu e não ter medo de que cairão mais bombas, mas parece que ainda virão a qualquer momento”, afirma Fabrício Lopes, resgatado no primeiro grupo de repatriados pela Força Aérea Brasileira.
Os conflitos armados provocam consequências profundas e duradouras nos sobreviventes, não apenas nos campos de batalha, mas também nas cidades e vilas devastadas pela guerra, bem como em outros locais considerados pacíficos.
“A gente é brasileiro e não tem essa cultura de proteção, segurança e guerra. A gente ouvia as sirenes e não assimilava, depois virou uma chave, a gente viu que era sério e a sensação de medo veio com tudo. Algo que nunca mais vou esquecer”. O depoimento é de Gleik Max, também resgatado no primeiro voo da FAB para o Brasil.
Principal transtorno
Um dos problemas psicológicos mais marcantes é o desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), que pode surgir tanto em militares quanto em civis expostos aos cenários de violência extrema. A chefe da psiquiatria do HPAP (Hospital de Pronto Atendimento Psiquiátrico de Brasília), Elaine Bida, explica que o medo pode se tornar constante. “Medo da morte, medo das agressões traumáticas o tempo todo. Quem vivenciou uma guerra, um conflito armado, fica sempre esperando que o pior vai acontecer”, explica a médica.
O transtorno, frequentemente associado ao que muitos chamam de “trauma de guerra”, tem um espectro amplo de sintomas, que podem surgir até seis meses após a experiência traumática e incluem a revivência mental do evento, a paranoia, redução do interesse por atividades familiares e sociais, e uma tentativa de fuga contínua de lembranças e sentimentos ligados ao trauma.
Tais sintomas não são apenas reações emocionais passageiras, mas profundas alterações psicológicas que impactam significativamente a vida diária dos afetados. “Assim que for possível, é importante sair da cena envolvida e em seguida buscar um psicólogo e um médico psiquiatra para a quebra da memória traumática. E, dessa forma, avaliar as sequelas psicológicas ou até os transtornos desenvolvidos, como depressão, fobia, ansiedade e pânico”, reforça a psiquiatra Elaine Bida.
A médica explica ainda que os tratamentos para as enfermidades e transtornos que ficam após um período de guerra, inclusive para lidar com perdas e o luto, são multidisciplinares: envolvem psicoterapia, medicamentos psiquiátricos, em alguns casos atividades físicas e fisioterápicas.
Como ficam as crianças
As redes sociais estão inflamadas de imagens de crianças que sobreviveram aos ataques, tanto em Israel quanto na Faixa de Gaza. Bebês feridos, pequenos que ficaram órfãos, meninos e meninas chorando traumatizados e com medo de tudo.
O vídeo (abaixo) de um garotinho tremendo de medo dentro de um hospital em Gaza viralizou nas redes sociais e comoveu o mundo todo. O trauma experimentado por crianças em zonas de conflito é profundo e pode ter repercussões duradouras. A morte ou ferimento de entes queridos é traumático para qualquer pessoa, mas para uma criança, pode ser particularmente desorientador e doloroso.
Além disso, muitas famílias são forçadas a fugir de suas casas devido ao conflito. Isso pode resultar em crianças vivendo em campos de refugiados, muitas vezes em condições precárias, sem acesso a educação adequada ou cuidados médicos.
Especialistas explicam que cada criança é única, e a maneira como processam e reagem ao trauma varia. Muitas mostram incrível resiliência, enquanto outras podem precisar de apoio psicológico e social prolongado para lidar com as experiências traumáticas.
De toda forma, a psiquiatra Elaine Bida orienta aos pais ou cuidadores que tentem retomar a rotina com a família o mais rápido possível: “isso melhora a sensação de proteção e bem-estar. Também é importante praticar atividade física, buscar atividades voltadas para artes, tudo isso ajuda a mudar o foco para algo agradável. E, claro, buscar acompanhamento com profissionais habilitados”, explica a médica.
O drama dos militares
Historicamente, o impacto psicológico das guerras tem sido documentado e estudado. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, observou-se que aproximadamente 5% dos militares que retornavam dos campos de batalha exibiam sintomas consistentes com o TEPT.
Em contraste, estudos mais recentes conduzidos pelo Departamento de Defesa dos EUA revelaram que até 60% dos militares que serviram em zonas de conflito, como o Iraque, enfrentaram episódios de depressão grave e sinais do transtorno. Outros problemas, como depressão, ansiedade crônica, transtorno bipolar e até esquizofrenia, podem surgir após a exposição a ambientes de guerra.
A importância do tratamento e do apoio psicossocial é inegável. A psicoterapia oferece um espaço vital para que as vítimas possam discutir e processar seus traumas, tanto das vítimas diretas quanto de seus familiares, que também compartilham do trauma e das consequências emocionais.
Os ecos das guerras não ressoam apenas nos campos de batalha. Muitos daqueles que acompanham os conflitos de longe, por meio das notícias, também podem ser afetados emocionalmente. Portanto, é essencial buscar informações de fontes confiáveis e encontrar maneiras saudáveis de lidar com as emoções resultantes.