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Opinião: Golpe em cima de golpe

09 de fevereiro, 2024
6 minuto(s) de leitura
Bolsonaro discursa para multidão
Foto: Reprodução

A data era 7 de dezembro de 2022. Nesse dia, o presidente populista do Peru, Pedro Castillo, que não suportava mais tamanha instabilidade que o governo vivia, decidiu ‘chutar o pau da barraca’: mandou dissolver o parlamento, antecipar eleições e decretar um estado de exceção. Estava em andamento ali, uma tentativa de golpe de estado.

Castillo contava com o apoio de alguns segmentos das tropas militares, os mais próximos do poder. Mas em pouco mais de quatro horas, acontecia o que ele não esperava. Uma reviravolta nos comandos. O legislativo ignorou os decretos presidenciais e aprovou uma moção de vacância, convocando a vice-presidente, Dina Boluarte, para assumir o poder como a mais nova presidente do Peru.

A moção foi uma espécie de impeachment, aprovada por 101 parlamentares, contra 6 e 10 abstenções. Então, a sequência que se viu foi a prisão de Castillo rapidamente pela Polícia Nacional, com o apoio das forças armadas peruanas. Castillo foi acusado dos crimes de rebelião e conspiração, por violar a ordem constitucional.

Isso, sim, foi uma tentativa de golpe fracassada. O que está acontecendo hoje no Brasil é uma tentativa – aí sim, de imputar um crime que realmente não aconteceu. Então, se busca materializar o que ficou no campo apenas das suposições para que se possa chegar a uma punição de fato.

Todos os juristas com quem conversamos disseram que não houve indício de crime algum com base apenas em conversas e rascunhos. O crime, de fato não aconteceu, de acordo com eles. Todos foram unânimes ao afirmar isso. Muitos que insistem em enxergar a criminalidade desse ato, dizem que foi crime justamente porque não aconteceu. Se tivesse acontecido, não seria mais crime, porque os mentores do atentado teriam sido bem sucedidos e o caso morreria por aí.

Só que não é assim. Uma tentativa efetiva, sendo ela bem sucedida ou não, é uma tentativa criminosa. Tendo o resultado sido ‘positivo’, então foi um crime bem sucedido. Se foi frustrado, então foi um crime mal sucedido. Mas, nos dois casos, se trata de um crime, se a tentativa saiu do papel e foi às vias de fato, como aconteceu no Peru. Mas não saiu, não houve o crime.

Antes de deixar o governo, em 2016, a presidente Dilma Roussef chegou a consultar o alto comando do exército sobre a possibilidade de uma reversão daquilo que ela entendia como tentativa de golpe contra ela. Segundo o próprio General Villas Boas, que na época era o comandante das tropas, Dilma perguntou o que poderia acontecer com quem chegasse até ele para propor essa iniciativa: e o general teria respondido que “mandaria prender todo mundo”.

Dilma entendeu o recado, deu meia volta e foi embora. Agora, uma pergunta: você acha que naquele momento em que ela procurou o General Villas Boas ela já não tinha um plano bem discutido com as correntes mais próximas do Planalto? Ou você acha que a ideia surgiu exatamente naquele momento em que ela conversava com o general?

Podem ser as duas coisas. Mas, hipoteticamente analisando, se o general tivesse dado a concordância que Dilma esperava, não estaria ali, sim, nascendo um golpe de estado contra as instituições que queriam afastá-la do poder? E se ela conversou com alguém antes de procurar o comandante do exército, não estaria no mesmo caso que os da tal minuta do golpe da operação da Polícia Federal? Ninguém sabe porque o assuntou não ganhou notoriedade, não estourou, não houve investigação.

Uma outra pergunta: a democracia brasileira corre algum risco? não vemos. muito pelo contrário, está de vento em popa com o governante fazendo o que quer, a hora que quer e onde quer. Não há ameaças contra o Estado Democrático de Direito.

E esse tem sido o maior desafio da Polícia Federal: materializar tudo que tem levantado como suspeita de um crime que nunca aconteceu. Estão juntando delações de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que disse que houve inúmeras reuniões para tratar do tema e discutir o que iriam fazer. Acusam o General Augusto Heleno de dar um murro na mesa, dizendo que se alguma coisa tivesse de acontecer, teria de ser antes das eleições. Que não poderia deixar o então presidente de fora do poder e coisa e tal.

Foram conversas, que não foram gravadas, e que só existem no âmbito das delações, do ‘disse-me-disse’. Nada concreto. Entendeu a dificuldade que as autoridades terão de enfrentar? Como materializar o abstrato? E, pelo que ouvimos e checamos, muitas outras denúncias, forjadas ou não, ainda vão pipocar no Supremo Tribunal Federal para incriminar uma lista grande, contendo nomes de quem fez parte do governo anterior.

O problema é até onde isso pode chegar. Na operação desta quinta-feira (8), a polícia mirou todo mundo, principalmente os militares da mais alta patente, generais de 4 estrelas, hoje na reserva. Mas os comandados por esses generais, muitos deles ainda permanecem nas tropas. E conversando com um desses militares no dia de hoje, ele me revelou que os comandantes atuais estão proibindo os militares de postarem qualquer menção de direita em suas redes sociais. E, indignado, um deles me disse que isso é um absurdo, porque se trata de uma rede social particular, e que antes de ser um militar, ele é um cidadão, paga impostos e vota como qualquer outra pessoa.

A verdade é que as tropas estão divididas. Isso é ruim em todos os aspectos. Pressionar com ameaças de prisão de generais como Augusto Heleno, Braga Neto e Paulo Sergio Nogueira é esticar a corda até o limite. O rompimento poder ser surpreendente. E, por acaso, quem a estica está preparado para qualquer resultado? A não ser que conte com o restrito apoio de quem está no comando dos quartéis hoje. Mas, até mesmo esses comandantes podem fechar os olhos e confiar totalmente no que têm em mãos ou acham que têm? Não sabemos.

Por isso, na nossa visão, o Brasil caminha a passos largos e perigosos rumo a uma ruptura total de todos os segmentos estabelecidos. E não será surpresa caso seja decretado, em algum tempo próximo, mais um estado de exceção. Talvez até pior do que os brasileiros já viveram no passado. Porque essa exceção estará acontecendo por um governo civil.

A instabilidade política, criada pelas ações desta quinta-feira, véspera de carnaval, é intensa e sacode o clima de tranquilidade e transparência, inclusive entre os parlamentares de oposição. O presidente do PL, partido de Bolsonaro, chegou a ser preso. Valdemar Costa Neto foi alvo das buscas e apreensões, a polícia teria encontrado uma arma de fogo irregular, sem registro, na casa dele. Valdemar foi levado para sede da Polícia Federal e teria dito que a arma não possuía registro por se tratar de um bem de família, repassado de pai para filho, e que por isso não tinha documentação.

Ouvido sobre a operação da PF, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, disse que uma minoria irresponsável queria o golpe de estado e prender autoridades democraticamente constituídas: “ação insensata encabeçada por uma minoria irresponsável, que queria impor um estado de exceção e prisão de autoridades democraticamente constituídas. Agora, cabe à justiça o aprofundamento das investigações para a completa elucidação desses graves fatos”.

Está bem, se houve realmente uma tentativa de golpe, então ela foi frustrada por quem? Quem impediu que essa tentativa fosse para frente? Por que ela, de fato, não aconteceu? Porque no Peru, nós sabemos quem frustrou a tentativa de golpe: foi o Congresso com o apoio da Polícia Nacional e das Forças Armadas. Mas e no Brasil, quem impediu que o golpe fosse dado? Essa pessoa deve ser tratada como um herói nacional. É necessário que se identifique. Quem foi? Ela, inclusive deve ter mais ‘provas’.

Se há provas irrefutáveis, aí então que se sente o dedo nas punições. Porque aí, haverá razões, e somos contra qualquer tipo de crime. Mas, se fica tudo no campo das suposições, então aí está se cometendo um outro tipo de crime: o de injustiça.

*Texto opinativo de autoria do jornalista Paulo Echebarria, que não representa necessariamente a opinião deste portal de notícias.

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