A Polícia Federal foi às ruas logo cedo neste domingo (24), por volta de 6h, para cumprir três mandados de prisão preventiva e outros 12 de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal. A operação foi batizada de Murder Inc., uma referência à gangue de assassinos de aluguel das máfias de Nova York nos anos 1930.
Toda a operação aconteceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), que também foi o palco do crime, em março de 2018. A Polícia Federal contou com a participação da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público do Rio de Janeiro, e ainda com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os alvos foram os autores intelectuais dos crimes de homicídio contra a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. A operação também investiga crimes de obstrução de justiça e organização criminosa.
Foram presos Domingos Brazão, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil – RJ), e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do estado. Os irmãos Brazão são apontados como mandantes do assassinato de Marielle, enquanto o delegado Rivaldo Barbosa teria sido o responsável por planejar o crime. Rivaldo assumiu a chefia da PCRJ no dia anterior ao assassinato da vereadora, e como estava à frente da corporação, atuou durante todos esses anos para dificultar as investigações.
Interesse dos irmãos Brazão
O relatório final da investigação da Polícia Federal foi divulgado neste domingo após o ministro do STF Alexandre de Moares retirar o sigilo do inquérito. Em mais de 400 páginas, a PF aponta que a morte de Marielle está relacionada ao posicionamento contrário da vereadora aos interesses do grupo político liderado pelos irmãos Brazão, que teria ligação com questões fundiárias em áreas controladas por milícias no Rio de Janeiro.
Na decisão em que autorizou a operação da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes – que é relator do caso no Supremo, afirmou que os mandantes intelectuais do crime foram identificados após a delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, que confessou ter sido o autor dos disparos que mataram a vereadora e o motorista.
“Os indícios de autoria mediata que recaem sobre os irmãos DOMINGOS INÁCIO BRAZÃO e JOSÉ FRANCISCO INÁCIO BRAZÃO são eloquentes. Com base na dinâmica narrada pelo executor RONNIE LESSA e pelos elementos de convicção angariados durante a fase de corroboração de suas declarações, extrai-se que os Irmãos contrataram dois serviços para a consecução do homicídio da então Vereadora Marielle Franco: a) a execução em si, por meio de EDMILSON MACALÉ e RONNIE LESSA; b) a garantia prévia da impunidade junto à organização criminosa instalada na Divisão de Homicídios da PCERJ, comandada por RIVALDO BARBOSA”, diz Moraes.
A motivação do crime seria uma divergência sobre loteamentos em áreas dominadas pela milícia na capital fluminense. Os irmãos Brazão tentavam regularizar as áreas para fazer grilagem de terra, enquanto a vereadora defendia que as áreas fossem usadas para fins sociais, como a construção e distribuição de moradias.
“A vereadora não escondia o seu entendimento de que as iniciativas de regularização fundiária pela caracterização de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) seriam adequadas para atender aos interesses dos segmentos sociais que mais sofrem com o déficit habitacional existente no Rio de Janeiro. No entanto, tais instrumentos teriam sido empregados de forma distorcida pelos irmãos Brazão, apenas para viabilizar a exploração econômica de espaços territoriais que, não raro, eram dominados por milicianos”, diz o relatório da Polícia Federal anexado à decisão de Alexandre de Moraes.
Enquanto os irmãos Brazão foram os mandantes, todo o planejamento para a execução do crime ficou a cargo do delegado Rivaldo Barbosa, que até então era Diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Ao assumir a chefia da corporação, Rivaldo trabalhou para desviar as investigações dos mandantes, e proteger os executores: “Em relação a Rivaldo Barbosa, Ronnie Lessa declarou que aceitou a empreitada homicida, pois os irmãos Brazão expressamente afirmaram que o então chefe da Divisão de
Homicídios da PCERJ teria contribuído para preparação do crime, colaborando ativamente na construção do plano de execução e assegurando que não haveria atuação repressiva por parte da Polícia Civil”, diz o relatório da PF .
Ainda segundo a delação de Ronnie Lessa, o delegado Rivaldo exigiu que Marielle não fosse executada em algum trajeto de deslocamento da Câmara Municipal, para que não fosse levantada a conotação política do crime.
Repercussão
Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse que a resolução do caso é uma resposta a todos os brasileiros quanto ao fim da impunidade. “Este momento é extremamente significativo, é uma vitória do Estado brasileiro, das nossas forças de segurança do país com relação ao combate ao crime organizado”, disse o ministro.
O Diretor-Geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, também conversou com a imprensa, e disse que a relação entre o delegado Rivaldo e os irmãos Brazão já existia antes do assassinato de Marielle: “pode ser dito que, já antes do crime, havia uma relação indevida desse que era o então chefe da Delegacia de Homicídios e depois chefe de polícia, para desviar o foco da investigação daqueles que são os verdadeiros mandantes do crime”, disse.
Andrei afirmou ainda que o caso está encerrado, mas não descarta que possam surgir desdobramentos da operação deste domingo (25). “É claro que podem surgir novos elementos que levarão eventualmente a um relatório complementar da Polícia Federal, mas neste momento, os trabalhos foram dados como encerrados”, afirmou.
As famílias de Marielle e do motorista Anderson comemoraram as prisões dos suspeitos de serem os mandantes do crime, mas ficaram surpresas com o envolvimento do chefe da Polícia Civil, que um dia após o assassinato, esteve presencialmente na casa de Marielle para prometer “urgência” nas investigações.
Ágatha Arnaus, viúva de Anderson Gomes, disse que o envolvimento do delegado Rivaldo no crime foi chocante: “as pessoas que participaram, quem mandou, terem nos abraçado, beijado e prometido, falado, inclusive, que era amigo da Marielle, que tinha trabalhado junto, isso é um tapa na cara. É um tapa. É pisotear ainda mais. Saber que está envolvido [Rivaldo] e olhar no nosso olho e fazer promessas, é tão profundo e tão doloroso”.
Mônica Benício, ex-companheira de Marielle, afirmou que o envolvimento dos irmãos Brazão não foi surpresa para ela, mas saber que o chefe da Polícia Civil estava por trás de tudo foi uma grande traição. “Se por um lado, o nome da família Brazão não nos surpreende tanto, o nome de Rivaldo Barbosa sem dúvida nenhuma foi uma grande surpresa, em especial considerando que ele foi a primeira autoridade que recebeu a família no dia seguinte, dizendo que seria uma prioridade da Polícia Civil a elucidação desse caso”, disse Mônica a jornalistas horas após a operação da PF.
Em nota, a Comissão Executiva Nacional do União Brasil informou que o partido “aprovou por unanimidade o pedido cautelar de expulsão com cancelamento de filiação partidária do deputado federal Chiquinho Brazão”, e que a legenda “repudia de maneira enfática quaisquer crimes, em especial os que atentam contra o Estado Democrático de Direito e os que envolvem a violência contra a mulher”.
Defesa
A defesa de Domingos Brazão afirmou que o conselheiro do TCE do RJ é inocente: “tenho certeza absoluta que improcede essa imputação. Ele não conhecia a Marielle, não tinha nenhuma ligação com a Marielle, e agora cabe à defesa provar isso, tenho certeza absoluta que ele é inocente”, disse o advogado Ubiratan Guedes, na porta da sede da Polícia Federal na Zona Portuária do Rio.
O advogado Carlos Henrique Dias, que faz a defesa de Rivaldo Barbosa, não se pronunciou ainda.
Outros investigados da operação serão monitorados por meio do uso de tornozeleira eletrônica. São eles: Giniton Lages, ex-titular da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, Marco Antônio Barros, integrante da polícia civil do estado, e Érika Andrade, esposa de Rivaldo Barbosa.