A Justiça Criminal de Brasília determinou o bloqueio de R$ 54 milhões dos envolvidos na Operação Dinheiro Sujo, deflagrada nesta sexta-feira (4/6) pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Os promotores apuram fraudes na contratação de lavanderias, em 2014, durante a gestão de Agnelo Queiroz (PT). A execução do contrato chegou até a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), que não é alvo dessa investigação.
O objetivo da Dinheiro Sujo é colher provas sobre irregularidades na área da Saúde. Os ex-secretários Rafael Barbosa e Elias Miziara estão entre os 11 alvos da operação. São cumpridos 22 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e em quatro estados: São Paulo, Maranhão, Paraná e Santa Catarina.
Durante as buscas, os promotores apreenderam uma arma na casa de um agente aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), também investigado.
Outros alvos da Operação Dinheiro Sujo são o ex-subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde Túlio Roriz e as empresas Acqua Premium, Lavebrás e NJ Lavanderia vinculadas aos empresários Ricardo Castellar, João Paulo Teo e Nabil Dahdah.
Dinheiro Sujo e “Situação de calamidade”
Os mandados da Operação Dinheiro Sujo foram deferidos pela Justiça Criminal de Brasília e decorrem de investigação do Gaeco que investiga irregularidades em contratações emergenciais de empresas de lavanderia a partir de procedimentos administrativos licitatórios da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF).
As apurações revelaram que, a despeito da existência de procedimento de contratação regular de lavanderia hospitalar em andamento, os integrantes do grupo criminoso forjaram situação de calamidade para justificar a dispensa do procedimento licitatório e direcionar a contratação de empresas integrantes do grupo.
Ajuizada em 2014, durante o governo Agnelo Queiroz (PT), uma ação do Tribunal de Contas do DF apurou indícios de irregularidades em contratos de lavanderia para o Hospital de Base do DF (HBDF) e para os hospitais regionais do Gama (HRG), de Santa Maria (HRSM) e de Sobradinho (HRS). O processo foi fruto de uma representação do partido Democratas, que questionou a dispensa de licitação 104/14, publicada em março daquele ano e que dizia respeito ao HBDF, HRG e HRS.
No documento, o partido afirma que o processo tinha diversas irregularidades e que a “citada emergência era inexistente”. “As lavanderias estão funcionando perfeitamente”; “[…] não há no processo […] documentação probatória de que o maquinário esteja depreciado. Ademais, as alegações de que a mão de obra estaria deficitária e inabilitada […] além de inverídica não encontra embasamento na legislação em vigor”, ressalta a representação.
Durante o trâmite, no entanto, outras dispensas de licitação sobre o mesmo tópico também passaram a ser questionadas na Corte. Em parecer anexado ao processo, o Ministério Público de Contas do DF (MPC-DF) apontou que os contratos apresentavam diversos problemas.
De acordo com o MPC-DF, houve problemas nas estimativas de preço e na definição dos objetos da contratação. Ainda segundo o Ministério Público, há indícios “pungentes” de direcionamento da licitação para a empresa NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar Ltda., responsável pela prestação do serviço nos quatro hospitais. Em 2015, a empresa recebeu R$ 7.768.573,63 dos cofres públicos e, em 2016, R$ 11.298.663,06.
No documento, a procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira reclama da demora do GDF em licitar os serviços à época: “Parece claro, portanto, que, sem determinação, a SES não irá licitar. Por qual motivo a SES encontra recursos públicos e arma-se de agilidade para contratar emergencialmente em vez de realizar o certame?”, questionou.
A qualidade dos serviços prestados também é colocada em xeque: “A situação é agravada, como se não bastassem as irregularidades indicadas, pela má qualidade dos serviços prestados, inclusive com denúncias de mistura de roupas sujas e lavadas e utilização do mesmo caminhão para transporte das mesmas”, diz o parecer.
O TCDF chegou a pedir esclarecimentos os ex-gestores do GDF responsáveis pelos primeiros contratos assinados: o ex-secretário de Saúde, Rafael Barbosa; o ex-secretário adjunto da pasta, Elias Fernando Miziara; e o então gerente de hotelaria da SES-DF, Daniel Veras de Melo. Também foram requisitadas explicações da NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar Ltda e do responsável pela empresa, Nabil Nazih Dahdah.
Além da ação no TCDF, as práticas de dispensa de licitação também levaram ao bloqueio de bens de Elias Miziara, Daniel de Melo e da NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar. A decisão, proferida em 2015, foi fruto de uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
Em parecer do TCDF assinado em 2 de dezembro de 2020, a análise da comissão tomadora de contas verificou que foram registrados preços que variam de R$ 4,05 a R$ 6,99 nos serviços de lavanderia para os diferentes hospitais da cidade (Hospital do Gama, Hospital de Sobradinho, Hospital de Santa Maria e Hospital de Base do Distrito Federal), em contratações realizadas em diferentes períodos e diferentes processos nos anos de 2015 e 2016.
“Constatamos grande variação de preços nos serviços de lavanderia hospitalar em diversas praças, não somente em razão do local em que o serviço é oferecido, mas também das grandes quantidades processadas, que podem gerar ganhos de escala, e dos requisitos que são colocados no edital elaborado por cada ente público interessado, dificultando a comparação de preços em contratações diversas.”
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que “sempre colabora com os órgãos de controle no fornecimento de informações e esclarecimentos solicitados, obedecendo aos prazos estabelecidos, com transparência e correção”.
Munhoz & Mendes Advogados Associados, que faz a defesa de Rafael Barbosa, esclareceu que não teve acesso aos autos. “Em momento oportuno, esclareceremos todos os fatos já vinculados pela imprensa e assegurará ao cliente o direito à ampla defesa e ao contraditório”, dizem os advogados.
A defesa destacou que “estranhou” medidas cautelares impostas porque Barbosa não foi denunciado pelo MPDFT na ação civil pública para apuração de suposto ato de improbidade administrativa. “Não há efetividade na medida de busca e apreensão realizada oito anos após os supostos ilícitos, em especial quando o mesmo juízo já deferiu, em outras quatro oportunidades, busca e apreensão em processos distintos, de forma a demonstrar a desarrazoabilidade da adoção de tal medida”, afirmou a defesa do ex-secretário.
O Gaeco contou com o apoio dos seguintes órgãos:
– Centro de Produção, Análise, Difusão e Segurança da Informação do MPDFT;
– Secretaria de Segurança Institucional (SSI/MPDFT);
– Polícia Civil do Distrito Federal (Decor/DF);
– Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Paraná;
– Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Maranhão;
– Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado de Santa Catarina;
– Polícia Civil de SP.*Ao contrário do informado inicialmente, a gestão de Rollemberg não é alvo da Operação Dinheiro Sujo.
Fonte: Mirelle Pinheiro, Metrópoles