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Relatório da PF aponta que Bolsonaro desviou R$ 6,8 milhões em joias e presentes

08 de julho, 2024
6 minuto(s) de leitura
Conjunto de joias sauditas
Foto: Divulgação/ PF

A Polícia Federal (PF), em um inquérito enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), revelou que as joias sauditas, vendidas ilegalmente por auxiliares de Jair Bolsonaro, foram incorporadas ao patrimônio do ex-presidente. A investigação concluiu que Bolsonaro tinha conhecimento do leilão para vender os itens.

De acordo com a PF, os conjuntos de joias milionárias, presentes do governo saudita ao governo brasileiro durante a gestão de Bolsonaro, deveriam ter sido incorporados ao patrimônio do Estado. Contudo, foram desviados para o patrimônio pessoal do ex-presidente.

Joias sauditas do inquérito contra ex-presidente
Foto: Reprodução

O inquérito levou ao indiciamento de Bolsonaro por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Agora, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se há elementos suficientes para oferecer denúncia ao STF.

Principais conclusões

O relatório da Polícia Federal, com mais de duas mil páginas, apontou sobretudo:

  • Recebimento de dinheiro: Bolsonaro recebeu dinheiro proveniente da venda das joias desviadas.
  • Uso do dinheiro: Parte desse dinheiro pode ter sido usada para gastos nos Estados Unidos.
  • Instruções para negociar: Bolsonaro instruiu seus auxiliares a negociar as joias.
  • Conhecimento do leilão: O ex-presidente estava ciente do leilão das joias.

No relatório ao STF, a PF detalha que os valores obtidos com as vendas das joias eram convertidos em dinheiro em espécie, evitando o sistema bancário formal. O objetivo era ocultar a origem e a propriedade dos valores, que ingressavam no patrimônio pessoal de Bolsonaro. A PF suspeita que esses recursos foram utilizados por Bolsonaro e sua família durante sua estadia nos Estados Unidos, de dezembro de 2022 a março de 2023.

“A utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”, explicou a PF.

Ordens diretas

Depoimentos de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, ex-auxiliar, confirmam que as ordens para vender as joias partiram diretamente do ex-presidente. Itens como esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes de autoridades estrangeiras, foram intencionalmente desviados para venda ilegal nos Estados Unidos.

“As declarações prestadas por Osmar Crivelatti, Mauro Cesar Lourena Cid e pelo colaborador Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos, demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente subtraídas do acervo público brasileiro por determinação do ex-presidente para serem vendidas ilegalmente nos Estados Unidos”, descreve o relatório da PF.

Após reportagens sobre as joias, uma operação foi estruturada para recuperar os itens e devolvê-los ao patrimônio da União, conforme decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Parte das joias foi resgatada de lojas nos Estados Unidos e trazida de volta ao Brasil.

“Conforme já descrito, em termo de depoimento, Mauro Cid confirmou que vendeu e posteriormente recomprou as joias do ‘kit ouro branco’, em uma loja no centro comercial Seybold Jewelry Building, pelo montante de US$ 35 mil”, escreveu a PF.

Enriquecimento ilícito

A PF estimou o valor total das joias em R$ 6,8 milhões. O relatório sugere que a venda dos bens visava o enriquecimento ilícito do ex-presidente.

“No sentido de valorar os bens que foram objeto dos atos de desvio (e tentativa de desvio) perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro, as joias foram submetidas a procedimento pericial, com o objetivo, dentre outros, de aferir o valor mercadológico dos bens”, explicou a PF.

As investigações apontam que Bolsonaro não movimentou suas contas bancárias enquanto esteve nos Estados Unidos, indicando que seus gastos foram financiados por outras fontes. Um dos indícios é o repasse de US$ 25 mil em espécie ao ex-presidente, feito pelo general Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid.

“Os elementos de prova colhidos demonstraram que Mauro Cesar Lourena Cid recebeu, em nome e em benefício de Jair Messias Bolsonaro, pelo menos US$ 25 mil, que teriam sido repassados em espécie para o ex-presidente, visando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal”, afirmou a PF.

A PF relaciona o desvio de joias a outros inquéritos que investigam a produção de fake news e o uso indevido de recursos do Estado. As investigações evidenciam uma conexão com práticas criminosas por milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito.

“Concluindo pela existência de fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e propriedade dos valores provenientes, com identidade de agentes já investigados por outros fatos nesta SUPREMA CORTE, o que evidencia a conexão probatória com diversos inquéritos que tramitam no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que investigam condutas atentatórias à própria CORTE, tal como o lnq. 4.781/DF, das Fake News e, especialmente, a prática de diversas infrações criminais por milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no Inq 4.874/DF”, escreveu a PF.

O que diz a defesa

Fábio Wajngarten, porta-voz de Bolsonaro, classificou o relatório da PF como “uma obra de ficção de quinta categoria”, alegando perseguição política.

Já os advogados de defesa do ex-presidente soltaram uma nota informando que os presentes ofertados a um Presidente da República obedecem a um rígido protocolo do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), composto por servidores de carreira, que é responsável por analisar se o bem será destinado ao acervo público ou acervo privado da presidência. A nota também critica a investigação e o Supremo Tribunal Federal, que estariam “perseguindo” o ex-presidente, mesmo que outros governantes tivessem passado por “situações idênticas”.

A defesa de Bolsonaro afirmou ainda que, desde quando foi noticiado, compareceu de forma espontânea aos autos e “requereu que os referidos bens fossem, desde logo, depositados naquela Corte de Contas (TCU)”, alegando que o ex-presidente nunca quis para si nenhum bem considerado público. Os advogados também afirmaram estar “indignados” com o relatório da PF, que inicialmente falava em desvio de R$ 25 milhões, tendo que corrigir a informação posteriormente para os R$ 6,8 milhões.

Detalhes da operação

Os depoimentos e as mensagens de celular coletadas pela PF revelam a complexidade da operação para desviar e vender as joias. Osmar Crivelatti, em seu depoimento, afirmou que ele e Mauro Cid deram ordens para retirar kits de joias do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) do Planalto. Além disso, mencionou que um dos relógios recebidos de presente, da marca Patek Philippe, nem chegou a ser registrado no sistema de bens do acervo privado do ex-presidente.

Crivelatti revelou que o kit de ouro rosê, leiloado na casa de leilões Fortuna Auctions, em Nova York, foi entregue a Bolsonaro na casa do ex-lutador José Aldo, na Flórida. A PF identificou que Crivelatti mentiu em um depoimento anterior sobre a origem do kit, afirmando que manteve a mesma versão falsa de Marcelo Costa Câmara.

Posteriormente, Crivelatti confirmou que Bolsonaro recebeu esculturas douradas de um barco e uma palmeira, que também não foram registradas no acervo privado. As esculturas foram transportadas para os Estados Unidos e retornaram ao Brasil nas mãos do general Lourena Cid, sendo entregues em Brasília e levadas ao gabinete de Bolsonaro na sede do PL.

Trocas de mensagens entre Mauro Cid e Bolsonaro mostram que o ex-presidente deu aval para o leilão das joias. Em uma mensagem de 4 de fevereiro de 2023, Cid enviou o link do leilão ao ex-presidente, que respondeu com o jargão militar “Selva”, ratificando sua ciência e anuência na tentativa de alienação ilegal das joias.

Relógio da marca Rolex
Foto: Reprodução/ PF

A operação para recuperar os itens envolveu a retirada de joias de estabelecimentos comerciais nos Estados Unidos e seu retorno ao Brasil. Um conjunto de joias masculinas da marca Chopard foi recuperado da loja Fortuna Auctions, em Nova York, e transportado ao Brasil. Outro conjunto, composto por anel, abotoaduras e um rosário islâmico, foi recuperado de uma loja em Miami e trazido ao Brasil por Mauro Cid.

Um relógio da marca Rolex, de ouro branco, foi recuperado de outra loja na Pensilvânia. A PF ainda busca localizar um terceiro conjunto de joias, cujas investigações continuam.

A complexa teia de desvios e ocultações destacada pela PF lança novas luzes sobre a conduta de Bolsonaro durante seu mandato e após sua saída do país, aumentando a pressão sobre o ex-presidente e seus auxiliares.

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