As críticas começaram no sábado (6). Na rede social X (antigo Twitter), o próprio dono da plataforma repostou informações do perfil da equipe de assuntos governamentais e globais da rede X. Elon Musk afirmou que a rede foi obrigada a fingir que algumas imposições do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral seriam, na verdade, violações aos temos de uso da plataforma.
Segundo Musk, a plataforma foi “forçada por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil” e a empresa não sabe os motivos pelos quais essas ordens de bloqueio foram emitidas.
O post republicado pelo bilionário diz ainda: “não sabemos quais postagens supostamente violaram a lei. Estamos proibidos de informar qual tribunal ou juiz emitiu a ordem, ou em qual contexto. Estamos proibidos de informar quais contas foram afetadas. Somos ameaçados com multas diárias se não cumprirmos a ordem. Não acreditamos que tais ordens estejam de acordo com o Marco Civil da Internet ou com a Constituição Federal do Brasil e contestaremos legalmente as ordens no que for possível”.
Durante o domingo (7), Elon Musk seguiu publicando em sua rede acusações contra o ministro Alexandre de Moraes. “Estávamos recebendo demandas para suspender membros do Parlamento e grandes jornalistas, e não poderíamos dizer a eles que foi a pedido de Alexandre de Moraes, tínhamos que fingir que era devido aos nossos termos de uso”, afirmou.
A tensão escalou quando Musk ponderou sobre o fechamento do X no Brasil, e prometeu revelar outras demandas de Moraes que, segundo ele, infringem as leis. O empresário discutiu a possibilidade de reativar contas bloqueadas por ordens judiciais, e instruir usuários sobre o uso de VPNs – sigla para “rede privada virtual”, onde o usuário pode seguir usando a plataforma de maneira oculta, contornando possíveis bloqueios por decisão judicial.
Além disso, Musk direcionou críticas severas ao ministro do STF, chamando Moraes de “tirano”, “totalitário” e “draconiano”, e sugeriu que ele deveria renunciar ou ser submetido a um processo de impeachment.
A repercussão foi quase imediata. Ainda na noite de domingo, o ministro Alexandre de Moraes ordenou que Elon Musk fosse investigado no contexto do inquérito sobre milícias digitais. Esse inquérito, iniciado em julho de 2021, visa apurar ações de grupos acusados de atentar contra a democracia, sugerindo uma possível “instrumentalização criminosa dolosa”. Como consequência, a plataforma X recebeu a proibição de descumprir quaisquer ordens judiciais, incluindo a reativação de contas que foram bloqueadas sob determinação do STF ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A ação de Moraes também inclui a abertura de um novo inquérito para investigar possíveis crimes cometidos por Musk, tais como obstrução da Justiça, participação em organização criminosa e incitação ao crime. Na decisão, o ministro afirma que “a flagrante conduta de obstrução à justiça brasileira, a incitação ao crime, a ameaça pública de desobediência às ordens judiciais e de futura ausência de cooperação da plataforma “X” desrespeitam a soberania do Brasil”. Moraes defendeu ainda que “as redes sociais não são terra sem lei”.
Depois da abertura das investigações, que já estão por conta da Polícia Federal, Elon Musk voltou a citar o ministro na rede social, o convidando para uma conversa “aberta”: “este é o cerne do problema, o que você diz, Alexandre? Vamos debater isso abertamente”, escreveu.
Repercussão
As críticas do bilionário provocaram reações entre os outros ministros do Supremo. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, divulgou uma nota com o apoio de todos os ministros, afirmando que “decisões judiciais podem ser questionadas, mas jamais descumpridas”, e que “toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras”.
As postagens de Musk provocando o ministro Alexandre de Moraes também reacenderam o debate sobre a regulamentação das plataformas das redes sociais. Parlamentares governistas defendem que a medida é necessária para disciplinar melhor os ambientes digitais no Brasil.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse nessa segunda-feira (8) que a regulamentação das redes sociais no país é inevitável: “considero isso fundamental, não é censura, não é limitação da liberdade de expressão, são regras para o uso dessas plataformas digitais para que não haja captura de mentes de forma indiscriminada, e que possa manipular desinformações, disseminar ódio, violência, ataques a instituições. Há um papel cívico que deve ser exercido pelas plataformas digitais de não permitir que esse ambiente seja um ambiente de vale tudo vale tudo”, disse a Pacheco a jornalistas.
O tema chegou a ser pautado no ano passado no Congresso Nacional. De acordo com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), o projeto não avançou por pressão das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs.
Nesta terça-feira (9), o escritório de advocacia da rede X no Brasil enviou ao STF um pedido de que eventuais novas ordens judiciais envolvendo a plataforma sejam endereçadas diretamente à X Corp., o escritório internacional da rede social, alegando que não tem autonomia para disponibilizar dados e bloquear contas do exterior.
Alexandre de Moraes negou o pedido, e chegou a afirmar que foi um ato de “má-fé” por parte do escritório da empresa no Brasil.
Também nesta terça, a Comissão de Segurança Pública do Senado, nesta terça-feira (9), aprovou um convite para que o empresário Elon Musk compareça à casa. A iniciativa partiu do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), vice-líder do governo.
Além de Musk, a comissão concordou em convidar Michael Shellenberger, figura central na divulgação dos chamados “Twitter Files Brasil”, ou “Arquivos do Twitter Brasil”. Esses documentos alegam estar em andamento no Brasil um movimento de instauração de uma ditadura pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma teoria que ganhou tração especialmente entre grupos e políticos de direita.
Shellenberger baseou suas alegações em uma série de e-mails trocados entre 2020 e 2022, envolvendo funcionários da rede social no Brasil. Essas correspondências vieram à tona três dias antes do embate entre Musk e o ministro Alexandre de Moraes.
As revelações de Shellenberger, que alguns críticos consideram descontextualizadas e inconsistentes, foram amplamente disseminadas por políticos conservadores, enquanto outros acreditam que se trata de uma narrativa conveniente para grupos de extrema-direita.
A proposta de audiência pública no Senado foi aceita sem objeções pela comissão, que também incluiu na lista de convidados Rafael Batista, ex-conselheiro jurídico sênior do Twitter para a América Latina.