Juliana Curi
Um áudio supostamente gravado por um ex-assessor do deputado federal André Janones (Avante-MG) veio à tona, revelando que o parlamentar teria organizado um esquema de “rachadinha”. Janones estaria cobrando parte dos salários dos servidores, e o montante seria destinado ao pagamento de despesas de campanha. A gravação, datada de 5 de fevereiro de 2019, foi feita pelo jornalista Cefas Luiz, ex-assessor de Janones, durante a primeira reunião após a posse dos funcionários.
Segundo o áudio, Janones menciona a necessidade de cobrir um rombo de R$ 675 mil em suas contas pessoais, alegando ter vendido casa e carro, além de ter usado dinheiro de poupança e previdência para financiar sua campanha eleitoral. Cefas Luiz afirmou que o esquema ocorria mensalmente no gabinete.
Íntegra dos diálogos
Na conversa, Janones propõe pagar salários mais altos a alguns servidores, com a condição de que parte desses valores extras fosse devolvida a ele, visando ajudar a quitar as dívidas resultantes da campanha. O deputado justifica o esquema como uma medida “justa” para auxiliar na reconstrução de seu patrimônio, que alega ter sido dilapidado. Veja o que ele diz:
“O não me corromper significa o não ceder à corrupção. Por exemplo, tem algumas pessoas aqui que vou conversar em particular depois, que vão receber um pouco de salário a mais, e elas vão me ajudar a pagar as contas que ‘ficou’ da minha campanha de prefeito, que deu R$ 675 mil reais na campanha, né, elas vão ganhar mais pra isso. Ah, isso é devolver salário e você tá chamando de outro nome. Não é, porque o ‘devolver salário’ você manda na minha conta e eu faço o que eu quiser. Isso são simplesmente algumas pessoas que eu confio, de que participaram comigo em 2016, que eu acho que elas entendem que, realmente, o meu patrimônio foi todo dilapidado, eu perdi uma casa de R$ 380 mil, um carro, uma poupança de R$ 200 mil e uma previdência de R$ 70 (mil), e eu acho justo que essas pessoas, também hoje, participem comigo da reconstrução disso. Então, eu não considero isso uma corrupção porque isso é algo que pode até, não é segredo, não tem problema ninguém saber, a pessoa que é amigo que vai, eu entendo que a hora que eu conversar, vai se dispor a ajudar. Porque eu não acho justo, por exemplo, o Mário vai ganhar 10 mil, eu vou ganhar 25, né, Gui? Só que aí o Mário, os 10 mil é dele, líquido. Eu dos 25, 15 eu vou usar pra pagar as dívidas de 2016. Então, por que eu tô falando isso? Naquilo/naquele ‘não me corromper’, eu não vou admitir cargo fantasma em nenhuma hipótese. E se eu tiver que ser colocado contra a parede? Eu digo assim, eu não faço, eu não tô fazendo questão nenhuma desse mandato. Pra mim, hoje, renunciar é uma coisa tão natural.“
Em outro áudio gravado na mesma reunião, André Janones diz:
“A gente precisa de dinheiro para fazer a campanha. O que que é a minha sugestão, aí nós vamos decidir o valor entre nós, tá? Inclusive eu, se ‘é’ todos. Isso é legal, porque às vezes você confunde com aquilo que a gente vê na televisão de não devolver salário. Devolver salário é você ficar na sua casa dormindo e me ‘dá’ o seu cartão, e todo mês eu vou lá e saco e deixo só um salário lá pra vocês. Isso é devolver salário. 2020 está aí. Eu pensei da gente fazer uma vaquinha entre nós, aí nós vamos decidir se vai ser R$ 50, R$ 100, R$ 200, se cada um dá proporcional ao salário, isso a gente decide entre nós. E a gente começar uma vaquinha já no primeiro mês do salário pra gente poder disputar as eleições de 2020 com o básico, pelo menos.”
Notícia-crime
O deputado federal Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) protocolou, nesta terça-feira (28), notícia-crime contra André Janones pela prática de peculato, que é o uso de dinheiro público para fins pessoais. “São denúncias gravíssimas e podem levar a inelegibilidade. Queremos uma investigação séria e célere para que o culpado seja devidamente responsabilizado”, afirmou Bilynskyj.
Mais de 40 parlamentares também assinaram a peça, que foi enviada à Procuradoria-Geral da República (PGR), e pede o encaminhamento da denúncia ao Ministério Público Federal para apurar a prática de improbidade administrativa. Bilynskyj adiantou ainda que a oposição já prepara nova denúncia contra Janones no Conselho de Ética da Câmara.
O que diz Janones
Janones nega a prática de rachadinha, argumentando que o dinheiro não seria usado para seus próprios interesses, mas sim para repor gastos pessoais.
Nas redes sociais, o deputado afirmou que a gravação foi “clandestina e criminosa”, retirada de contexto para que fosse imputado a ele um crime inexistente (veja abaixo), já que estaria apenas trocando ideias com amigos. O parlamentar sustenta ainda que as denúncias são vazias e nunca evoluíram para ações penais, considerando-as “escândalos fabricados”.
Vale ressaltar que, nas eleições presidenciais de 2022, André Janones inicialmente oficializou sua candidatura pelo Avante, mas posteriormente desistiu em favor do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a campanha, Janones se mostrou intensamente ativo nas redes sociais para criticar o então candidato Jair Bolsonaro, protagonizando discussões online com outros políticos. Algumas postagens do parlamentar acabaram sendo excluídas em determinações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por se tratarem de conteúdos inverídicos.
Apesar do apoio a Lula, e de ter integrado o grupo técnico de comunicação social da equipe de transição, Janones não ocupou cargos de destaque no governo do presidente eleito, ficando de fora do primeiro escalão.
