Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, nesta quarta-feira (29), uma tese que estabelece a possibilidade de responsabilização civil de empresas jornalísticas por publicarem entrevistas com declarações falsas que, comprovadamente, imputem crimes a terceiros.
Na prática, ao analisar um recurso, os ministros fixaram uma tese que servirá como guia em outros julgamentos semelhantes em todas as instâncias do judiciário. A tese é a de que jornais, revistas ou outros meios de comunicação poderão ser responsabilizados judicialmente por declarações de um entrevistado acusando uma terceira pessoa por um ato ilícito, sem que haja espaço para ouvir o outro, o do acusado.
O texto, elaborado pelo ministro Alexandre de Moraes e ajustado por Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, destaca a proteção à liberdade de imprensa, desde que acompanhada pela responsabilidade. A tese permite a remoção de conteúdo em casos de informações injuriosas, e exige que a empresa só seja responsabilizada se houver indícios concretos de falsidade nas declarações do entrevistado e negligência na verificação da veracidade dos fatos.
Repercussão preocupante
A decisão gerou preocupações entre entidades de imprensa, apesar de algumas alterações consideradas mais sensatas durante a discussão. O presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, considerou a tese original de Moraes uma “grave ameaça à liberdade de imprensa”, e destacou a insegurança jurídica sobre como a imprensa atuará, especialmente porque não houve uma definição do que seriam “indícios concretos de falsidade de imputação”, e nem uma orientação da tese no caso de entrevistas ao vivo.
Entidades como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também manifestaram preocupações com a possibilidade de autocensura nos veículos de comunicação.
Caso original
O caso concreto que deu origem a essa ação trata-se de um recurso extraordinário da defesa do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho em um pedido de indenização contra o jornal Diário de Pernambuco, por uma entrevista publicada em 1995. O ex-parlamentar, que inclusive já morreu, foi à Justiça contra o jornal devido a uma entrevista na qual o delegado Wandenkolk Wanderley, também já falecido, dizia que Zarattini tinha participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, do Recife, em 1966.
A defesa de Zarattini sustenta que a informação não é verdadeira, já que o ex-parlamentar não foi indiciado ou acusado pela prática, e não teve como exercer direito de resposta às acusações dadas pelo delegado em entrevista.
Zarattini ganhou o processo no Superior Tribunal de Justiça, obtendo indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil. Mas, o jornal recorreu ao Supremo, alegando que a decisão do STJ contraria a liberdade de imprensa.
Apesar de terem mantido a condenação do jornal, os ministros decidiram apenas nesta quarta-feira sobre a tese, que agora passa a ser usada como jurisprudência em outros casos semelhantes.
Após o julgamento, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a decisão não implica em censura prévia, e salientou que o caso específico que deu origem à ação foi “excepcional”, envolvendo uma entrevista que imputava um atentado terrorista a uma pessoa já julgada e absolvida anos antes.
“É um caso totalmente excepcional e nós estabelecemos uma regra geral, que o veículo não é responsável por declaração de entrevistado, a menos que tenha havido uma grosseira negligência relativamente à apuração de um fato que fosse de conhecimento público. Portanto, se uma pessoa foi absolvida, faz parte do dever de cuidado do jornalista dizer que a pessoa foi absolvida. Esse é o debate. Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão. Não há censura prévia”, afirmou Barroso.