“Tentei não demonstrar pavor e segurei meu choro, porque eles poderiam me matar. Eu só queria que aquele terror acabasse.” O desabafo é da jovem de 25 anos estuprada por seis homens em uma festa em Águas Lindas de Goiás (GO). O estupro coletivo durou ao menos cinco horas, até que a vítima conseguiu escapar.
Em entrevista exclusiva ao Correio, a mulher, sob condição de anonimato, detalhou os abusos. Moradora de Águas Lindas, município goiano distante cerca de 50km de Brasília, a jovem soube da festa por meio de um amigo com quem chegou ao local do evento.
A casa, com piscina, lotou. Da celebração, iniciada no fim da tarde de sexta-feira (8/10), dizia-se que não teria hora para acabar. O dono da propriedade é Daniel Marques Dias, 37 anos, irmão do subtenente do Batalhão de Polícia Militar Ambiental da PMDF (BPMA) Irineu Marques Dias, 44 anos, acusado pela jovem de ter iniciado o estupro coletivo.
Até certo momento, a festa transcorreu normalmente, com bebidas e narguilé. “Minha irmã, que não mora comigo, chegou a ir também, mas ela e meu amigo foram embora antes e eu resolvi ficar, já que no outro dia iria aproveitar para tomar banho na piscina”, relatou.
Mal sabia a jovem que a diversão estava prestes a tomar um rumo aterrorizante, capaz de marcá-la para o resto da vida, segundo relata. Por volta das 3h de sábado (9/10), a vítima conversou com outras duas convidadas para saber onde ela poderia dormir.
As meninas a levaram até um quarto, fecharam a porta e saíram em seguida. Em menos de um minuto, o subtenente da PMDF Irineu Marques Dias invadiu o cômodo. Em tom ameaçador, sacou a arma da cintura e colocou em cima da cama, ao mesmo tempo em que arrancava as roupas da jovem.
Terror durante estupro
Em detalhes, a mulher conta que não teve tempo de dizer nenhuma palavra sequer, pois ficou com medo de morrer. “A arma estava do meu lado e eu só tive que fingir o tempo inteiro, com os meus olhos cheios de lágrimas. Foi aterrorizante.”
Quando pensou que o abuso havia chegado ao fim, com a saída do militar do quarto, outros dois homens entraram e também a estupraram. Os agressores a obrigaram a fazer sexo oral, mantiveram conjunção carnal e houve tentativa de sexo anal. “Chegavam a ficar três por cima de mim. Um no meu rosto e os outros em outras partes do meu corpo. Eu não conseguia falar. Eu estava simplesmente sufocada e com uma arma próxima a mim”, desabafou.
Em seguida, outros três homens entraram no quarto e a estupraram. Durante os abusos, os agressores falavam palavras como: “Você é muito gostosa. Nossa, que delícia.” Os abusos sexuais perduraram por mais de cinco horas. O PM, ao final, chegou a retornar ao quarto e estuprou a jovem novamente.
Pedido por socorro
A vítima relata que, enquanto os abusos ocorriam, um dos seis suspeitos ficava da janela observando todo o estupro. “Ele cruzou os braços em cima da bancada e ficou olhando. Ele viu que eu estava tremendo, com os olhos cheios de lágrimas, mas ficou só olhando e depois me estuprou”, contou.
Por volta das 7h de sábado, os acusados finalmente abriram a porta. Ainda fingindo estar tudo normal, a mulher saiu recolhendo os pertences, mas não encontrou as próprias roupas e vestiu a blusa usada pelo policial militar. “Eles tinham pegado meu celular no começo da madrugada e só me devolveram de manhã, com 4% de bateria”, disse.
Ao sair do quarto, a vítima se deparou com as duas mulheres que a levaram até o cômodo. Ela não tem dúvida de que a dupla está envolvida nos abusos. “Elas me olharam, viram minha cara de desespero, mas desviaram o olhar e fingiram que não me conheciam. Senti que foi algo planejado”, relatou.
No portão, os agressores ainda ofereceram carona para levar a vítima para casa. Sem demonstrar pânico, ela solicitou que eles chamassem um motorista de transporte por aplicativo. Os acusados ofereceram, ainda, água e mais cerveja para a jovem. “Quando um deles virou as costas para pegar o celular, eu corri e saí batendo de porta em porta de vizinhos pedindo por ajuda.”
Os vizinhos chamaram a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBM-GO). Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também participou dos primeiros socorros. Depois, o atendimento ocorreu no Hospital Municipal Bom Jesus.
A mulher passou por exame de corpo de delito no Instituto de Medicina Legal (IML) para confirmar o crime. “Só quero Justiça. Não consigo comer, durmo assustada e com medo de tudo. Do que possa acontecer”, clama a jovem.
Prisão e investigação
Ao denunciar o caso, os policiais militares foram até o endereço e detiveram seis pessoas. Na 17ª Delegacia de Polícia de Águas Lindas, a jovem reconheceu Irineu, Daniel e Thiago. Os outros três foram liberados, mas a polícia segue com as investigações.
Ao Correio, o advogado da jovem, Bruno de Oliveira, afirmou que a vítima prestou as declarações à polícia. “Alguns dos autores foram presos em flagrante, tendo sido reconhecidos pela vítima. No caso em apreço, trata-se de estupro consumado, com causa de aumento de pena em razão da multiplicidade de agentes do crime. A pena pode ultrapassar os 17 anos de reclusão em regime fechado, sem prejuízo de eventual processo administrativo, no caso de servidores públicos, e ação indenizatória por todos os danos morais suportados”, frisou.
Em nota, a defesa do subtenente Irineu negou as acusações e afirmou que o militar “sofre as consequências da acusação infundada”, pois, segundo os advogados, o PM não esteve no local dos fatos durante a madrugada. “(…) estava há pelo menos 50km de distância, em seu local de trabalho, chegando ao local dos fatos somente pela manhã, conforme será comprovado às autoridades competentes em momento oportuno.”
A defesa alega, ainda, que os acusados não passaram por audiência de custódia quando da conversão da prisão preventiva, conforme determina o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que, portanto, afirmou que será interposto as medidas judiciais cabíveis.
A PMDF também se manifestou e ressaltou que aguarda a conclusão do inquérito para dar prosseguimento às apurações. Segundo o delegado à frente do caso, Fernando Lobão, o relatório do IML aponta secreções que são vestígios de abuso sexual, além do risco de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.
Ao converter a prisão flagrante em preventiva dos suspeitos, o juiz Rodrigo Victor Foureaux Soares afirmou que, em decorrência dos depoimentos prestados, “percebe-se que os crimes noticiados são de alta gravidade, ofendendo a integridade física e dignidade sexual da vítima, considerando que os acusados mantiveram, em tese, relação sexual com esta sem consentimento.”
O magistrado definiu como “assustador” o relato da vítima de que os acusados realizavam um esquema de “revezamento” com ela durante as relações sexuais mantidas, “em uma situação de estupro coletivo.”
“Nesse sentido, percebe-se o desespero nos relatos da vítima, que também disse após pensar estar livre dos atos de violência práticos em seu desfavor, o primeiro autor retornou e novamente manteve relações sexuais com ela. Também é necessário ressaltar que a vítima informou que pediu por socorro durante a situação narrada, demonstrando ser contrária a realização dos atos, em tese, praticados, sendo que não foi atendida por nenhum dos acusados”, justificou o juiz ao decretar a prisão preventiva.