O tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Ivon Correa foi condenado a pagar R$ 25 mil em danos morais ao soldado da ativa Henrique Harrison após a divulgação de um áudio dele chamando de “frescura” e “avacalhação” um beijo gay na formatura da corporação. A decisão, que é da 7ª Vara Cível de Brasília, é em primeira instância e ainda cabe recurso.
O caso ocorreu em janeiro de 2020. Na gravação de quase cinco minutos, o militar chama o beijo, entre outras coisas, de “tentativa de enxovalhar essa farda que nós gastamos duzentos e cacetada anos pra fazer o nome dela”.
Henrique, que recentemente voltou ao trabalho após realizar tratamento para depressão após o episódio, entrou com ação pedindo danos morais. Ao apresentar defesa, Ivon alegou que não divulgou o áudio, mas apenas manifestou opinião em conversa particular.
Ao fundamentar a decisão favorável ao soldado, o juiz Pedro Matos de Arruda disse que “aquele que é livre para falar o que pensa, torna-se responsável pelos quantos que ofende”.
Analisando o áudio, o magistrado ainda questiona o motivo pelo qual o beijo homoafetivo seria um problema à imagem da corporação. “O que se deve questionar é: por que aquele beijo maculou a PMDF? Em que sentido é ofensivo à honra e ao pudor da Instituição? (…) A inferência é que o réu tolera os gays, desde que assim não se mostrem ao púbico. Em especial com a farda da Polícia Militar”.
Dessa forma, Arruda julgou procedente o pedido formulado para condenar o réu ao pagamento de R$ 25 mil a título de compensação por danos morais.
Condenado por um beijo
O advogado de Henrique, Jostter Marinho, comemorou a sentença. “É importante destacarmos que essa condenação deve ser interpretada como uma aula dada pelo Poder Judiciário no sentido de mostrar e demarcar que discursos de ódio, falas discriminatórias ou atos lesivos às minorias não serão mais tolerados pela sociedade brasileira”, disse à reportagem.
A reportagem tentou contato com a defesa de Ivon, mas não obteve sucesso.
Leia a transcrição do áudio na íntegra
O problema, meus amigos, é o seguinte. Observando os fatos desse pessoal. Não tenho nada a ver com a sexualidade deles. A porção terminal do intestino é deles e eles fazem o que quiserem. Agora, uma coisa é o que se faz quando se está fardado. Nos nossos regulamentos, nós aprendemos sempre que se deve preservar a honra e o pundonor policial militar. Então, é isso que foi quebrado ali. Aquela avacalham, aquela frescura ali poderia ser evitada. É lamentável a gente ver que as pessoas… – nesse caso específico –, pessoas cultas que deveria saber como se portar. Poderiam continuar com as vidas deles, ser felizes, como bem disse a Meire, mas, sem afrontar a nossa corporação.
Se você chegar em qualquer uma das Forças Armadas, existe essa figura: o homossexualismo, mas eu nunca vi um piloto de caça gay, ou melhor, que se exponha como gay. Gay ele pode ser o tanto que ele quiser, mas que se exponha enquanto fardado. Eu jamais vi um comandante de Marinha fazendo essa frescura toda que está aparecendo aí. Nunca vi no Exército, na brigada paraquedista, comandos, e por aí vai, alguém se expondo dessa maneira. O que houve aí, no meu entender, foi a tentativa de enxovalhar essa farda que nós gastamos duzentos e cacetada anos pra fazer o nome dela.
Então, isso é lamentável. Mas o que acontece é que, hoje, no Brasil, nós vemos que a maioria se curva à minoria. Isso, em todos os aspectos. Nós nos calamos no nosso posicionamento político, não enfrentamos as pessoas que são contra os nossos valores, o pessoal de esquerda. Nós nos calamos. Nós nos calamos contra esses movimentos gays, movimentos feministas, e por aí vai. Então, é sempre a minoria se curvando à maioria. Então, isso demonstra a nossa covardia frente a essas situações. Esses aí, acho que não se criam dentro da Polícia Militar. Nós conhecemos bem como é nosso ambiente e o que deve acontecer durante a trajetória deles. Nós vamos ver que vai existir aquele esfriamento, o isolamento deles dentro da corporação e eles não se criam, mas a nossa corporação já foi irreversivelmente maculada. Nós, hoje, somos motivo de chacota no Brasil inteiro.
Só pra vocês terem ideia, ontem de manhã a primeira foto que eu recebi desse casal gay da Polícia Militar foi me mandado pelo comandante do Corpo de Bombeiros aqui de Goiás, pra vocês terem uma ideia. Sete horas da manhã, quando eu acesso aqui, eu vejo o coronel do bombeiro me mandando isso. Então, hoje, nós somos motivo de chacota. Então, nós temos muito a agradecer a esses dois policiais. Esse vídeo deve chegar até eles e eu gostaria que eles recebessem meu agradecimento. Agradecimento de um oficial que formou mais de 8 mil homens dentro da Polícia Militar. De soldado até oficial. Muito obrigado, senhores, os senhores conseguiram destruir a reputação da nossa Polícia Militar. Não tenho nada a ver com a sexualidade de vocês, não sou homofóbico. Essa farda, eu ajudei a construir a história.
Leia a decisão:
Fonte: Matheus Garzon, Metrópoles