O território de Essequibo, na Guiana, poderá ser anexado à Venezuela em breve. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país, controlado pelo regime do ditador Nicolás Maduro, divulgou que os eleitores venezuelanos aprovaram, com 95,93% dos votos, a transformação do território em um estado da Venezuela.
Oficialmente, a região pertence à Guiana desde 1899, mas sempre foi reivindicada pelo país vizinho. Essequibo corresponde a quase 70% do país, e é uma área rica em petróleo e minérios de extração.
Segundo o CNE, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo, e aceitaram incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país e conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guianenses que vivem lá. Apenas 4,07% dos eleitores discordaram da proposta.
Perguntas indutivas
O referendo nacional foi elaborado com cinco perguntas sobre a revisão da demarcação dos territórios dos dois países, que induziam os eleitores a “rechaçar” a atual fronteira, a reconhecer o Acordo de Genebra como único instrumento para resolver a controvérsia, e ainda que fossem contrários a exploração das grandes reservas de petróleo no mar da região, por parte da Guiana, enquanto a questão territorial não seja resolvida.
Veja as perguntas e os resultados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral:
- Você está de acordo em rechaçar por todos os meios, conforme o direito, a linha imposta fraudulentamente pelo laudo arbitral de Paris de 1899, que pretende nos despojar da Guiana Essequibo? Sim: 97.83% — Não: 2,17%
- Você apoia o Acordo de Genebra de 1966 como único instrumento jurídico válido para alcançar uma solução prática e satisfatória para a Venezuela e a Guiana em torno da controvérsia sobre o território da Guiana Essequibo? Sim: 98.11% — Não: 1.8%
- Você está de acordo com a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana Essequibo? Sim: 95,4% — Não: 4,1%
- Você está de acordo em se opor por todos os meios, conforme o direito, à pretensão da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação, de maneira ilegal e em violação do direito internacional? Sim: 95,94% — Não: 4,06%
- Você está de acordo com a criação do estado Guiana Essequibo e que se desenvolva um plano acelerado para o atendimento integral da população atual e futura desse território que inclua, entre outros, a concessão de cidadania e cédula de identidade venezuelana, conforme o Acordo de Genebra e o direito internacional, incorporando em consequência o dito estado no mapa do território venezuelano? Sim: 95,93% Não: 4,07%Sim: 95,93% — Não: 4,07%
Nas redes sociais, Nicolás Maduro afirmou que o plebiscito foi “uma grande jornada eleitoral histórica de consulta, que coroa uma vitória esplendorosa com cinco respostas contundentes do povo nobre que reafirma que a Guiana Essequiba é da Venezuela”.
A Guiana, por sua vez, considera o referendo “provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional”, e afirma que não tem dúvidas sobre a validade do Laudo Arbitral de 1899, que estabeleceu a atual fronteira entre os dois países.
Intenções de Maduro
O referendo venezuelano levantou receios na Guiana, e em toda a região, sobre as intenções finais da Venezuela sobre a disputa territorial. Maduro vai tentar a reeleição no ano que vem, em meio a uma crise econômica grave, e espera que o resultado do referendo fortaleça a reivindicação centenária do seu país sobre o território rico em petróleo de Essequibo.
Segundo cientistas políticos, Nicolás Maduro sabe que as eleições serão observadas com muito mais atenção pelos países ocidentais. Por isso, ele precisa de apoio popular – e retomar mais da metade da Guiana pode representar uma enorme possibilidade de tirar o país da crise e torná-lo um dos mais ricos do mundo.
Na Guiana, que é uma antiga colônia britânica de língua inglesa, milhares de pessoas, algumas delas vestindo camisetas com os dizeres “Essequibo pertence à Guiana”, formaram correntes humanas em solidariedade ao governo da região, e o presidente Irfaan Ali ofereceu garantias de que as fronteiras do país estavam seguras.
O governo Maduro também disse que não procura justificativa para invadir ou anexar o enorme território, mas as tensões têm aumentado desde que a Guiana aceitou propostas, em setembro, de exploração de petróleo para vários blocos offshore. As reservas de petróleo da região são semelhantes às do Kuwait, que tem uma das maiores do mundo.
Especialistas em ciência política acreditam que Maduro quer a Guiana porque isso vai representar poder de influência sobre o ocidente mais uma vez, semelhante aos dos tempos áureos da Venezuela, e ainda render ao ditador um bônus político considerável.
Disputa centenária
A disputa territorial de Essequibo é um conflito histórico que começou no início do século 19. Com a independência da Venezuela da Espanha, surgiu uma controvérsia sobre a posse da região ao norte do Brasil. Em 1814, um tratado entre o Reino Unido e a Holanda atribuiu as terras holandesas ao longo do rio Essequibo à Venezuela.
Em 1831, no entanto, as terras passaram a fazer parte da Guiana Inglesa, situada entre a Guiana Francesa e a Guiana Holandesa (atual Suriname). A Venezuela contestou essa divisão, levando à formação de uma comissão internacional em Paris para resolver o impasse. Em 1899, um julgamento internacional concedeu a posse da área à Grã-Bretanha, decisão que permaneceu até a década de 1940, quando a Venezuela reiniciou sua reivindicação, alegando fraude no acordo.
O Acordo de Genebra de 1966, entre Londres e Caracas, reconheceu as divergências: a Venezuela rejeitou o julgamento de 1899, enquanto o Reino Unido concordou em discutir a questão fronteiriça. Após a independência da Guiana em 1966, com Essequibo compreendendo dois terços de seu território, as negociações não avançaram, e um novo protocolo foi estabelecido, congelando a questão por 12 anos. Em 1982, a Venezuela optou por não ratificar o protocolo, e o caso foi levado à ONU, onde permanece sem solução.