O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) anunciou hoje (5) o ajuizamento de uma ação de liquidação e cumprimento de sentença contra a Samarco, a Vale e a BHP Billiton. Foi pedida a destinação imediata de R$2,54 bilhões para reparar a população de Mariana (MG) que foi atingida no rompimento da barragem ocorrido em novembro de 2015. O processo deve beneficiar cerca de 1,3 mil famílias. A tragédia completa seis anos no mês que vem e, segundo estimativas do MPMG, nem 30% das vítimas da cidade mais afetada foram indenizadas até hoje.
O rompimento da barragem gerou uma avalanche de lama que atingiu diversos municípios mineiros e capixabas ao longo da bacia do Rio Doce. Além disso, 19 pessoas morreram. A estrutura pertencia à Samarco, que tem como acionistas a Vale e a BHP Billiton. Para reparar os danos, as três mineradores firmaram em março de 2016 um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com o governo federal e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo. Conforme o acordo, foi criada a Fundação Renova, que ficou responsável pela gestão de mais de 40 programas voltados para a reparação de todos os danos ambientais e socioeconômicos.
A atuação da entidade na cidade de Mariana envolve diversas frentes: indenizações individuais e coletivas, auxílios emergenciais, reconstrução de comunidades, restabelecimento das propriedades rurais produtivas, etc. Todo o trabalho gera muitas críticas do MPMG e das entidades que representam os atingidos. A nova ação diz respeito exclusivamente às indenizações individuais das vítimas da cidade.
Em Mariana, o processo de reparação tem peculiaridades, uma vez que é discutido na Justiça estadual, enquanto coube à Justiça Federal acompanhar o caso nos demais municípios da bacia. Para o promotor Guilherme Meneghin, em relação às indenizações individuais, foi descumprido acordo formulado em outubro de 2018, no qual ficou estabelecido que as mineradoras apresentariam suas propostas em até 90 dias após a conclusão dos cadastros dos atingidos. Segundo ele, esse prazo tem sido sistematicamente ignorado. “As empresas continuam relutantes em pagar e em reconhecer os atingidos”, acrescenta.
Ação ajuízada pelo MPMG
De acordo com a ação ajuizada, houveram diversas tentativas ao longo dos últimos anos para se garantir o cumprimento do acordo de 2018. Há relatos de famílias que aguardam por uma proposta há quase um ano. “A obrigação não foi integralmente cumprida e sequer está próxima de sê-lo, razão pela qual se propõe este requerimento de liquidação/cumprimento de sentença”, diz o MPMG no processo.
O cadastro em Mariana é realizado pela Cáritas, entidade escolhida pelas próprias vítimas para assessorá-las. A partir deles, são preparados dossiês que listam os tipos de danos sofridos por cada um. Os custos do trabalho são de responsabilidade das mineradoras. Ele chegou a ser paralisado por falta de verba, o que gerou uma contestação do MPMG. Em julho desse ano, em uma audiência judicial, ficou acertado o repasse de R$ 8 milhões à Cáritas. Os 135 cadastros que estavam em andamento devem ser finalizados ainda este ano e outros 177 que ainda não haviam sido iniciados serão concluídos no início de 2022.
Além de assumir a responsabilidade por aproximadamente 1,3 mil cadastros, a Cáritas também produziu uma matriz de danos, através do qual se pode calcular a valoração dos prejuízos de cada atingido. Para sua produção, foram firmados acordos com instituições de pesquisa como o Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas (Ipead) e o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), ambos vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A Fundação Renova, no entanto, não leva em conta esse trabalho na formulação de sua proposta. A entidade tem outra referência para definir os valores. “É um tabelamento de indenizações, que não contempla vários direitos dos atingidos”, afirma Meneghin. Boa parte das divergências concentram-se nos danos morais, que envolvem por exemplo a perda dos modos de vida e os impactos na saúde física e psíquica. O promotor avalia que a matriz de danos da Cáritas é muito melhor que qualquer solução que a Fundação Renova já apresentou.
“Leva em consideração vários aspectos de direitos, inclusive os atrasos injustificáveis. Este é um ponto interessante. A matriz de danos leva em conta, por exemplo, o tempo que as famílias estão perdendo para serem reparadas. São muitos anos pra poder reconstruir a vida. A perda de tempo útil, provocada pela ineficiência das empresas e da Fundação Renova, é um dano indenizável”, observa.
De acordo com o promotor, se a Justiça atender ao pedido, os R$2,54 bilhões deverão ser depositados em juízo em favor das vítimas cadastradas. “Fizemos o cálculo a partir de uma média das indenizações que foram pagas. E aplicamos ao restante da comunidade que ainda não foi indenizado”, explica Meneghin. A divisão do montante levará em conta a matriz de danos elaborada pela Cáritas. O promotor lembra que a ação não impede que as famílias ainda não indenizadas fechem acordo individual com a Vale e nem que decida executar a mineradora na Justiça individualmente.
O pagamento das indenizações individuais é apenas um dos gargalos do processo de reparação em Mariana. Outro problema envolve a reconstrução dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, arrasados pela onda de rejeitos. Passados quase seis anos da tragédia, o trabalho ainda está longe de ser concluído.
Em março desse ano, quando apenas sete das 306 moradias previstas estavam concluídas, o MPMG moveu uma ação para cobrar uma multa pelo atraso. Em outro processo, que está temporariamente suspenso por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o MPMG chegou a pedir em fevereiro deste ano a extinção da Fundação Renova.
Procuradas pela Agência Brasil, a Vale, a Samarco e a BHP Billiton informaram que não foram notificadas da ação. As três mineradoras afirmaram estar comprometidas com a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem. Segundo a Samarco, até o momento, já foram indenizadas mais de 330 mil pessoas em toda a bacia do Rio Doce. Para custear todas as ações executadas no âmbito dos programas previstos, a minerador diz ter sido destinado mais de R$ 15,57 bilhões à Fundação Renova. Por sua vez, a Fundação Renova informou que não é parte dessa ação movida pelo MPMG.
Restante da bacia
O processo de reparação no restante da bacia também é alvo de críticas e tem gerado reações do Ministério Público Federal (MPF), que vê a Fundação Renova sem a devida autonomia diante das mineradoras. Passados quase seis anos do rompimento da barragem, mais de 80 mil demandas judiciais estão na fila aguardando apreciação. Em julho do ano passado, a Ramboll, uma das consultorias externas independentes que assessora a atuação do MPF, apontou que apenas 34% das famílias cadastradas em toda a bacia haviam recebido algum valor indenizatório.
Os pagamentos, no entanto, ganharam um impulso no final de 2020 a partir de uma série de decisões judiciais que levaram à implantação do Sistema Simplificado. Por meio dele, trabalhadores informais que ainda não tinham sido reconhecidos como atingidos conseguiram obter valores referentes a danos morais e materiais. O MPF, no entanto, considera que houve irregularidades nas decisões que subsidiaram a criação do sistema e avalia que alguns valores estabelecidos foram baixos.
Há alguns meses, uma repactuação vem sendo discutida sob a mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A expectativa do MPF e do MPMG é de que um novo acordo de reparação seja feito com as mineradoras estabelecendo outro modelo de governança, podendo não envolver a Fundação Renova. Os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo também participam das tratativas e são favoráveis à definição de um novo termo para a reparação.
Para Meneghin, a matriz de danos elaborada pela Cáritas poderia ser levada em consideração nessa repactuação e utilizada como referência em todas as cidades atingidas. “Se isso fosse feito, não tenho dúvida de que toda a bacia poderia ganhar com o excelente trabalho que foi feito”, avalia.