Especialistas divergem sobre impacto nos investimentos e há quem ressalte o caráter distributivo da distribuição de dividendos
O ministro da economia, Paulo Guedes, reafirmou nesta quinta-feira (25) que pretende tributar os dividendos de ações. Durante audiência pública virtual da comissão temporária do Senado que tratou do impacto da covid-19 no País, ele citou que os ativos da União somam R$ 1,3 trilhão. “Esses ativos poderiam estar próximos do povo e poderiam estar pagando impostos sobre dividendos. Nós vamos fazer impostos sobre dividendos”, disse.
O ministro também defendeu a criação do chamado Fundo Brasil, financiado pelos dividendos das estatais, para bancar programas sociais. “Vamos entregar uma parte do patrimônio para os mais pobres e, por outro lado, pagar uma parte da dívida. Em vez de deixar esse patrimônio na mão de corrupção, vamos pagar dividendos sociais, oferecendo mais de R$ 200 para os mais pobres.” afirmou na audiência.
Essa não é a primeira vez que Guedes defende tributação de dividendos. Há, inclusive, um projeto de lei do deputado federal José Nelto (Podemos–GO) tramitando na Câmara, que pretende estabelecer a cobrança de Imposto de Renda (IR) com alíquota de 10% sobre os lucros e dividendos distribuídos pelas companhias para pessoas físicas e jurídicas.
Mas, afinal, o que os analistas do mercado acham sobre a tributação dos dividendos? O portal E-Investidor conversou com seis especialistas para saber qual a visão deles.
Anderson Meneses – CEO da Alkin Research
“A tributação dos dividendos ainda não está clara. Não sabemos de quanto seria ou se haveria alguma forma de compensação.
O que já se especula é que, dentro da reforma tributária, aconteça a redução do imposto que incide sobre os lucros das empresas e, que se aumentasse o imposto sobre o dividendo de forma proporcional, não deveríamos ter tantas perdas assim. Então, o dividendo poderia ter uma tributação, que hoje não existe, mas, por outro lado, ele poderia ser maior”.
Felipe Ferreira – Diretor financeiro da Comdinheiro
“Tributar dividendos, porque dividendos são isentos, constitui uma falácia. Os dividendos são isentos para evitar uma dupla tributação. Todas as empresas pagam o imposto sobre o lucro. O lucro líquido, que dá origem à distribuição de dividendos é resultado dessa linha de impostos. Então uma empresa que gerou, por exemplo, R$ 200 milhões por ano de lucro antes de impostos, paga seus 34% de impostos sobre o lucro, e vai sobrar R$ 122 milhões de lucro líquido que a companhia pode reinvestir ou distribuir dividendos. É uma troca, e uma troca que beneficia o governo porque é mais fácil arrecadar na empresa do que arrecadar na ponta, na distribuição de dividendos.
Uma outra alternativa que a empresa tem, limitada, é pagar juros sobre capital próprio, e aí você desconta esse resultado do lucro e paga na distribuição. O que não dá é pagar nas duas pontas. E pior ainda é usar um argumento populista, na minha visão, colocando a distribuição de dividendos como algo quase ‘Robin-hoodico’, ou seja, de que você está transferindo renda de quem tem mais dinheiro para quem tem menos dinheiro. Isso não é verdade, o lucro já é tributado, essa medida caracterizaria bitributação. É basicamente aumentar os impostos sobre o lucro.”
Gustavo Bertotti – Economista-chefe da Messem Investimentos
“Essa é uma pauta recorrente, em termos de impacto acho q tem que ser feito. Não deve ter impacto nas ações, já que o mercado de capitais está crescendo, tivemos muitos IPOs recentes e empresas novas, é isso vai fazer o país crescer. Nossa situação é complicada, mas não vai ter impacto grande nos investimentos de renda variável. Não acredito que terá impacto para os investimentos no Brasil. Mas o País precisa ajustar seu endividamento, é preciso fazer a reforma tributária”.
João Beck – Economista e sócio da BRA
“Não é um debate novo no Brasil a tributação de dividendos, Paulo Guedes falava disso na campanha presidencial. Mas isso precisa ser discutido dentro de uma reforma mais ampla, onde ocorra uma simplificação geral dos impostos. Isso é polêmico porque vai ocorrer uma bitributação, o lucro da empresa já é tributado. É um custo a mais que o acionista vai ter. Mas se houver alguma contrapartida de redução de impostos, o mercado enxergaria de uma forma neutra. O dividendo tem um caráter distributivo, e pode ser um debate interessante, porque sempre vai ocorrer nas camadas mais ricas da população, para beneficiar os mais pobres”.
Leonardo Nascimento – sócio da Urca Capital Partners
“O imposto sobre os dividendos é uma temeridade se não vier acompanhado de uma redução da carga tributária sobre a pessoa jurídica. Existe uma falácia no mercado de que o Brasil é o único país e um dos poucos desenvolvidos que não tem imposto sobre o dividendo. Os EUA têm um imposto de dividendo alto, mas o Brasil já sofre com uma carga das companhias enorme, por isso que o dividendo não é taxado.
Então, o imposto sobre o dividendo deveria vir acompanhado de uma redução drástica na carga tributária das companhias. Caso contrário, seria uma tributação adicional que vai, obviamente, afugentar o investimento direto na economia brasileira, porque os acionistas não vão querer tomar risco no Brasil e ainda ter seu dividendo tributado”.
Rodrigo Franchini – sócio da Monte Bravo Investimentos
“Paulo Guedes sempre defendeu que os dividendos deveriam ser tributados, para que a tributação das empresas, em contrapartida a essa nova carga tributária sobre lucros e dividendos, fosse menor. Então você tributaria o investidor e diminuiria na empresa. Na média final, a carga de impostos seria maior. Então esse é o plano que ele tem para ter a aprovação final, já que você estaria melhorando a questão das empresas e faria uma pressão política importante, e ao mesmo tempo você teria uma maneira de ter um aumento arrecadatório.
Dificuldades políticas podem se tornar ainda mais difíceis para os próximos meses com o novo candidato à eleição de 2022, você tem que fazer movimentos para aprovação do seu eleitorado e movimentar consequentemente a sua aceitação, que está difícil. Para isso acontecer, o Governo pode entrar por um viés de ter mais gastos e medidas mais populistas, e para fechar tudo isso tem que ter mais arrecadação, tem que ganhar mais para gastar mais. E a reforma tributária é uma maneira de fazer isso gerando competitividade para as empresas.
Então não me parece muito difícil que, de fato, isso vá ocorrer. Não acho difícil que ele coloque em pauta, de fato, a tributação de dividendos. Mas me parece que isso não vai ser tão fácil de passar no Congresso, ainda mais que o governo não tem tanta base aprovatória e estamos no meio de uma crise sanitária”.
Fonte: e-investidor